Silicon Valley Bank: queda e consequências

por | mar 14, 2023 | Gestão | 0 Comentários

Sede da Silicon Valley Bank - Tempe, Arizona

Este artigo foi publicado originalmente no portal Startups

O Silicon Valley Bank, o principal banco ligado a startups no mundo com mais de US$200 bilhões de ativos foi bancarrota e levou ao desespero com sigo a indústria de venture capital global colocando em risco a estabilidade de todo o sistema financeiro.

O banco foi fundado em 1983 com o intuito de atender companhias do vale do silício e se tornou um dos principais fornecedores de serviços financeiros paras as empresas de tecnologia. Recentemente, já possuía mais de US$200 bi em ativos sendo o 16° maior banco dos EUA.

O banco teve um crescimento acelerado com a pandemia e o grande crescimento do fluxo de capital investidos em startups no período. Muitos desses depósitos alocados em títulos como as US Treasuries. De 2020 para 2021, tiveram um aumento de 95% no total de ativos e de 2021 para 2022, o banco teve um aumento de mais de 30%. Um aumento que chegou a 152% nos últimos 2 anos.

Num dia normal, isso seria ótima notícia, mas com o avanço da inflação, algumas coisas não saíram bem como o planejado.

Na última semana com a companhia divulgou ações estratégicas para Q1/23, onde foi dito pela companhia que seria feita uma oferta de um total de US$2.25 bilhões para “fortalecer o balanço da companhia”. A oferta veio da necessidade de vender U$21 bi de títulos de taxa pré-fixada de sua carteira de títulos disponíveis para venda, ou “Available for Sale – AFS”, o que resultou em uma perda de US$1.8 bi. Esses títulos foram muito afetados pelo aumento de taxas de juros realizados pelo FED no intuito de conter a inflação.

De onde veio o problema no Silicon Valley Bank

Esse tipo de situação dificilmente tem uma causa única, e no caso do SVB, não foi diferente. 

Primeiramente o crescimento muito acelerado, de quase 80% de 2020/2021 impulsionado pelo crescimento dos investimentos em venture capital e a baixa taxa de juros, cria um problema de alocação onde acaba não sendo viável alocar de forma eficiente na atividade principal de um banco, realizar empréstimos, tanto capital. 

Parte da alocação de capital acabou sendo feita em títulos de mais longo prazo, com o intuito de capturar maiores retornos (já que os títulos de curto prazo estavam sendo negociados com taxas de zero ou quase zero porcento). Esses títulos, cresceram quase 500% no período de 2020/2021. Como se tratam de títulos classificados como held-to-maturity, estes não precisam ser atualizados com os preços de mercado pois a intenção é de se levar os mesmos até o vencimento diferente dos títulos “Available For Sale” que segundo a recomendação do FASB (Financial Accounting Standards Board), devem ser atualizados com marcação a mercado tão frequente quanto possível. Ao final de 2021, eles representavam 52% do total de depósitos e 44% do ativo total do banco. 

2022 já foi um ano diferente, captações reduziram significativamente, com a guerra e o início da subida de juros pelo FED, o que acaba por iniciar um processo de redução dos depósitos com a utilização dos recursos pelos correntistas. Conjugado a isso, a subida de juros também afetou os títulos, que perderam significativamente valor criando um descasamento grande entre seu valor de mercado e o que era reportado nos balanços. Até o momento que os títulos AFS ainda estavam em carteira, apesar de serem marcados a mercado, não afetavam seu patrimônio de forma mais significativa pois existem diferentes níveis no controle de liquidez dos bancos.

Com a necessidade de venda dos títulos, foi com uma perda de 1.8 bi, ocorreu reconhecimento de prejuízo, acabou por afetar diretamente o núcleo do patrimônio exigindo assim a chamada de capital. A chamada de capital, por azar ou talvez por problemas de comunicação, que acabou por culminar na quebra do banco por conta da corrida bancária.

Desconfiança e Insolvência

Após o anúncio a instituição acabou vendo seu plano de reajuste como um tiro saindo pela culatra, o impacto nas ações foi quase imediato resultando em uma queda de 60%. O problema foi reforçado pelo anúncio do encerramento das operações do Silvergate Bank que operava em Crypto. 

Isso fez diversos fundos de Venture Capital como Coatue and Founders Fund, recomendassem a suas investidas que retirassem seu capital do banco por conta de preocupações com a estabilidade do banco, especialmente considerando que mais de 93% dos 161 bilhões em depósitos não estavam segurados pelo FDIC

O desconforto dos correntistas aumentou e acabou por dar o início ao fenômeno conhecido como “Bank Run” onde por conta do temor de não ter acesso ao dinheiro, correntistas buscam rapidamente realizar saques e esse movimento dá início a um processo de quebra do banco por não conseguir atender a todos os pedidos. Isso acaba por gerar uma profecia autorrealizável (expressão cunhada por Robert Merton no estudo de corridas bancárias).

O processo acabou resultando na maior corrida bancária da história, com mais de US$42 bi sendo resgatados na quinta-feira, mais de US$4.2 bilhões por hora.

Consequências, Bailout e o Risco sistêmico

As consequências esperadas eram meio desastrosas muitas startups com bastante capital no banco, poderiam ficar sem caixa para cobrir despesas como suas folhas de pagamento. Incluindo Roblox, Roku, e algumas das grandes startups brasileiras. Tendo até boatos de que o Nubank teria exposição ao banco, algo que foi negado em pelo banco brasileiro. Segundo a NCVA (National Venture Capital Association), em carta assinada por mais de 3500 executivos, o banco tinha mais de 37 mil pequenos negócios com mais de US$250 mil no banco.

Esse tipo de consequência amplia o medo da população e pode dar início a uma crise bancária mais ampla, com mais bancos sendo afetados por conta da percepção de risco.

Um dos riscos estudados na literatura de macrofinanças e regulação de prudencial é o de contaminação do resto do sistema financeiro e consequente agravamento do problema. Por essas e outras, desde a crise de 1929 e a cada nova crise foram se desenvolvendo mecanismos para evitar esses problemas:

Um dos primeiros foi o FDIC (Federal Deposit Insurance Corp.), similar ao nosso FGC, Fundo Garantidor de Crédito, foi criado em 1933 logo após diversas corridas bancárias na esteira da crise de 29. Seu principal objetivo é exatamente evitar esse tipo de problema ao oferecer um seguro para os valores depositados até certo valor. 

O que acabou sendo um problema para o SVB por conta da característica da sua base de clientes, que em sua maioria ultrapassava o valor segurado (93% como mencionado anteriormente).

Outros mecanismos foram sendo estabelecidos através dos Acordos de Basileia que foram tentando criar maneiras para que o regulador pudesse acompanhar de forma mais adequada a saúde dos bancos e ao mesmo tempo reduzindo seu risco, como a criação dos índices de Liquidity Coverage Ratio (LCR), e o Net Stable Funding Ratio (NSFR), e imposição de valores mínimos de capital próprio (controlando assim a alavancagem financeira).

Mas o governo americano vai salvar o banco? Não exatamente, o que ocorreu foi um acordo entre FDIC, o Federal Reserve e a Secretaria de Tesouro Nacional para salvar os correntistas, de forma que não fossem afetados. 

Assim, o FDIC deve prover os valores aos correntistas e por sua vez Bancos serão acionados para cobrir os fundos do próprio FDIC conforme regulamento. Entretanto, acionistas e credores não segurados não serão cobertos.

O risco de que a situação se espalhe é real, e nesse processo outro banco, o Signature Bank, acabou já sendo afetado e foi fechado pelo regulador de Nova Ioque.

Pra evitar uma contaminação do resto do setor foi criado um fundo de US$25 bilhões que vai oferecer empréstimos aos bancos de forma a dar mais segurança ao sistema. Entretanto, o temor ainda continua com ações de bancos caindo de forma significante em especial os bancos regionais.

Efeitos sistêmicos

Perdas no setor bancário em larga escala podem criar uma restrição mais forte em crédito (um credit crunch) e com isso reforçar a já esperada recessão americana. E já foi possível observar uma elevação dos yields dos Treasuries de dois anos e grande volatilidade dos mercados de títulos no mundo além das quedas significativas em ações bancárias pelo mundo em especial pequenos bancos americanos.

Caso isso resulte em um aperto de crédito por parte dos bancos, por conta da elevação da incerteza, isso colocaria reguladores em uma posição difícil por conta do momento de inflação alta. Aumentar a liquidez e a inflação junto com ela, ou aprofundar (ou pelo menos aumentar a probabilidade de) uma recessão.

Agradecimentos ao Prof. José Américo (Universidade Candido Mendes/Banco Central do Brasil), pela revisão.

Gustavo Gawryszewski

Fundador e CEO da Moner, Gustavo Gawryszewski é economista e contador, Mestre em economia com ênfase em Macroeconomia e Finanças e MBA em Gestão Estratégica e Econômica de Negócios pela FGV. Mais de 20 anos de experiência em negócios digitais sendo os últimos 6 anos dedicados a negócios ligados a finanças.

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